Na
tarde desta quinta (29), cerca de 300 militares se reuniram para comemorar os
48 anos do golpe militar de 1964, na sede do Clube Militar, no Centro do Rio de
Janeiro. A reunião dos oficiais da Reserva incitou uma manifestação de centenas
de civis, que se dirigiram à frente do clube, munidos de fotos de desaparecidos
políticos, aos gritos de “torturadores” e “golpe não é revolução”.
As
rememorações e os protestos parecem motivados por uma causa comum, por um
compromisso latente, uma inquietação que vem do estômago e pode produzir tanto
a indignação quanto o sorriso e o orgulho, a ordem ou a confusão.
Embora
a historiografia brasileira seja responsável por ampla bibliografia voltada
para o tema do golpe de 1964, suas raízes e consequências, os acontecimentos
recentes demonstram a existência de questões por serem resolvidas, perguntas e
discussões que só puderam ser formuladas com o tempo, pelo distanciamento e,
sobretudo, pelas novas gerações. Há 30 anos seria impensável olhar para os
militares com ironia e empunhar cartazes quase à ponta dos narizes daqueles
senhores fardados. Estas são posturas tomadas por quem conhece os direitos de uma
Constituição selada por ambos os lados em 1988.
Talvez,
uma das mais fortes heranças da ditadura militar seja a negação da discussão
pública sobre o período. A censura então instalada é hoje tema bastante
conhecido e sempre levantado quando se trata de defender o “Nunca Mais!”, ou de
consagrar a liberdade de expressão como valor ético e político do presente. No
entanto, as versões históricas e as memórias dos anos de 1960 e 70 parecem
ainda restritas ao meio acadêmico, a certos grupos de militantes e militares, e
às poucas placas comemorativas, filmes e algumas leis de reparação que surgiram
de lá para cá.
Discussão
sobre impunidade
Há
quem busque reconhecer a luta de muitos idealistas que perderam os seus 25
anos, outros querem sensibilizar a sociedade para um tema que repercute na
identidade política do país. Setores do atual governo tentam restaurar a
discussão sobre a impunidade dos crimes contra a humanidade, e movimentos
sociais se esforçam para garantir indenizações aos familiares de presos
políticos, exilados e torturtados à época. Uns comemoram a vitória política que
obtiveram em 1964, os projetos políticos e econômicos então viabilizados, a
anistia que satifez uma parcela considerável da oposição, os meios que
utilizaram para garantir o essencial da ordem que desejavam. Demandas
diferentes, causas distintas e objetivos contrários que compõem a sociedade
brasileira, motivo pelo qual a ditadura não durou 20 dias, a anistia foi
legítima, assim como qualquer manifestação contemporânea e pacífica em nome da
verdade.
Nesse
contexto, a Comissão da Verdade parece um instrumento fundamental para criação
de uma esfera de publicidade dos acontecimentos, traumas e ressentimentos, que
por meio das narrativas, podem contribuir para a construção e reconstrução de
laços sociais. Dar voz às partes envolvidas e torná-las sujeitos explícitos de
nossa história será certamente um passo para que teses acadêmicas, opiniões
pessoais, e memórias oficiais se voltem para a realidade, e denunciem os
significados vivos deste debate. Trata-se de um caminho possível para o
aprimoramento de valores democráticos.
O
caso da África do Sul
Bom
exemplo para reflexão do que está acontecendo no Brasil pode ser encontrado na
reconciliação Sul Africana dos anos de 1990. Confiante na capacidade de
apaziguamento do perdão, teve como pressuposto a condenação moral dos crimes doapartheid e
a reconciliação política como condição necessária para um futuro mais plural e
menos violento. Neste caso, o amplo conhecimento sobre a realidade anterior e o
foco nos casos mais graves de violações dos direitos humanos foram as
possibilidades encontradas para rever o cotidiano de segregação exposto pelas
narrativas emocionadas da Comissão.
Tarefa
difícil esta de lidar com um passado que orgulha ou envergonha dependendo de
para onde se olhe, passado que divide e responsabiliza, torna mártir do
presente ou assassino da história. A ideia fundamental é que toda a atual
discussão possa ajudar a sensibilizar a sociedade e as futuras gerações sobre a
gravidade dos acontecimentos, fornecendo aos cidadãos a chance de reconhecer e
de se impor diante de qualquer prática abusiva.
*Nashla
Dahas é pesquisadora da Revista de História da Biblioteca Nacional
*Nashla Dahas é pesquisadora da Revista de História da Biblioteca Nacional
Nenhum comentário:
Postar um comentário